segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Previsões nas hepatites B e C para 2010

Realizar previsões parece ser coisa de pessoas desocupadas tentando adivinhar qual será o número que vai dar na loteria. Não é esse o sentido das previsões que estarei realizando em relação às hepatites B e C, a sua epidemiologia e os tratamentos. A cada ano dou uma parada para refletir no que foi realizado e com isso imaginar o que poderá acontecer nos próximos 12 meses, mas devo confessar que fica difícil ser totalmente otimista ante um problema tão grande e complexo como são as "epidemias" de hepatites B e C.

Falo em "epidemias" no plural, porque considero se tratar de duas doenças totalmente diferentes, com epidemiologia, formas de transmissão, prevenção, tratamento e conseqüências totalmente diferentes. Colocar as hepatites B e C juntas, tentando uma ação estratégica igual é um dos maiores erros cometidos na última década. O mundo em geral interpretou que poderia realizar ações conjuntas já que ambas as doenças atacam o fígado e por tanto se chamam hepatite. A década não foi totalmente perdida, mas os avanços foram muito pequenos. O número de infectados diagnosticados e em tratamento é mínimo e o número de mortes por causa das hepatites B e C não para de crescer. Ante a frieza dos números não existem explicações ou desculpas já que todas as promessas e as boas intenções não conseguiram resultados. Com humildade devemos dar a mão à palmatória.

Voltando as "epidemias", na hepatite B a vacinação continua sendo a principal arma para evitar novos infectados. A vacina é barata e apresenta excelente efetividade. Muitos países já a disponibilizam para toda a população e passou a ser obrigatória de ser aplicada nas crianças recém nascidas no momento do parto, mas lamentavelmente alguns países limitam a aplicação gratuita para somente quem tem menos de 19 anos e, pior ainda, faltam campanhas que incentivem as pessoas a procurar a vacina. Países que realizam campanhas de vacinação estão conseguindo evitar novas infecções, o que garante um controle de novos casos. Campanhas de vacinação em massa irão conseguir erradicar, ou pelos menos diminuir drasticamente novos casos de hepatite B, sem duvida uma excelente forma de controlar o futuro da doença.

Já em relação a encontrar quem está infectado com hepatite B a situação ainda e dramática. A maioria dos países não realiza alertas ou campanhas de testagem em larga escala. No terceiro mundo e estimado que entre 90 e 95% dos infectados ainda não foram diagnosticados, países entre os quais se inclui o Brasil. Os governos alegam que o número de infectados e muito grande e que não existem recursos financeiros nem a quantidade de médicos especializados necessários para tratar a hepatite B. Lamentavelmente nos últimos 12 anos escuto essa resposta como desculpa, mas muito pouco foi feito para mudar a situação, simplesmente estão negando a milhões de infectados pela hepatite B a oportunidade de evitar danos irreversíveis a saúde e a oportunidade de tratamento.

No mundo são 350 milhões de infectados e se diagnosticados pelo menos a metade deles irão precisar de um tratamento que não tem prazo para terminar, motivo pelo qual o número de pacientes cresce em forma exponencial. Diferentemente a outras doenças que podem ser curadas, um indivíduo com hepatite B vai ter que receber assistência médica pelo restante da sua vida, assim, os serviços médicos devem ampliar o atendimento a cada ano. Existem poucos médicos especializados no tratamento da hepatite B e, em geral, a maioria dos centros especializados não se encontram nas áreas de maior endemicidade da doença. O problema no tratamento da hepatite B e a sua complexidade e a necessidade de acompanhamento permanente dos infectados com exames de imagem e biologia molecular, difíceis de encontrar.

No tratamento da hepatite B hoje já se dispõe de um arsenal terapêutico muito bom. Nos próximos cinco anos mais de uma dúzia de novos medicamentos estarão chegando ao mercado e muito provavelmente poderemos presenciar a cura da hepatite B.

O problema da hepatite B e de tal tamanho e complexidade que caso não surja algum medicamento milagroso não terá solução nem a curto nem a médio prazo para os atuais infectados. Mas não podemos aceitar que alguns governos considerem como uma estratégia a morte dos infectados (seja pela doença ou pela velhice) como a solução do problema da hepatite B. Quem pensar dessa forma e ficar sentado acima dessa bomba viral estará cometendo um crime contra a humanidade. O tratamento da hepatite B não é caro, hoje um infectado com hepatite B custa mensalmente menos que um infectado com AIDS para os governos.

A epidemia de hepatite B atinge na sua forma crônica 350 milhões de pessoas no mundo, o dobro dos infectados com hepatite C, que são 170 milhões. Curiosamente no Brasil a relação se inverte e o número de infectados com hepatite C e o dobro dos infectados com hepatite B, sendo estimado que existam dois milhões de infectados com hepatite B e até quatro milhões com hepatite C. A apresentação recente dos dados do inquérito domiciliar realizado pelo ministério da saúde são validos para hepatite C, mas não podem ser considerados no caso da hepatite B, pois as amostras representam somente as capitais, sendo amplamente conhecido que a hepatite B e uma doença de zonas suburbanas, fora das capitais, principalmente no interior da Amazônia, no sul do Espírito Santo, no oeste do Paraná e Santa Catarina e em zonas portuárias ou de prostituição, lugares onde não realizada a procura de infectados. Mostrar ao mundo a prevalência da hepatite B no Brasil com amostras obtidas somente nas capitais será considerado "propaganda enganosa".

Falando na outra "epidemia", a de hepatite C, o panorama e totalmente diferente e, portanto, a estratégia de divulgação e de ações deve ser diferente. Lamentavelmente a hepatite C não possui uma vacina preventiva, mas dispõe de um tratamento eficaz que hoje consegue a cura de pouco mais da metade dos pacientes tratados e que em dois ou três anos estará logrando curar até 80% dos infectados.

Partindo dessas duas características o fato de não possuir uma vacina para prevenir a hepatite C parece estar compensado com o fato de se tratar de uma doença de transmissão quase que exclusivamente pelo sangue e, hoje, com tudo o sangue utilizado em transfusão sendo testado e com a utilização de instrumentos corretamente esterilizados e seringas e agulhas descartáveis, a possibilidade de novos casos de infecções com a hepatite C e muito pequena. No mundo a hepatite C se propagou entre as décadas de 70 e 80, assim, a maioria dos infectados com hepatite C tem mais de 40 anos, o que indica que a epidemia está diminuindo, mais pela morte por velhice dos infectados que pelo número de tratamentos oferecidos, mas pelo menos a situação vai sendo controlada no caso de novas infecções.

Estranhamente o inquérito domiciliar realizado no Brasil encontrou uma alta prevalência da hepatite C em adolescentes, na faixa de idade entre 10 e 19 anos. Como esses adolescentes nasceram quando já o controle do sangue era efetivo e os instrumentos descartáveis e, pela faixa de idade e de se supor que a grande maioria não seja usuária de drogas injetáveis, até o momento o resultado não encontrou nenhuma explicação plausível. É sumamente importante que estudos adicionais sejam realizados, pois o resultado contradiz tudo o existente na literatura científica internacional.

Em relação ao tratamento da hepatite C o principal fator inibitório de ações de saúde pública e o seu preço. O tratamento que pode custar R$. 80.000,00 (U$. 44,000.-) se realizado de forma particular, chega a custar somente R$. 19.000,00 (U$. 10,500.-) para alguns governos que centralizam a compra dos medicamentos e negociam preços com os fabricantes. Se considerarmos que aproximadamente a metade dos atuais infectados necessita tratamento por ter um nível de fibrose igual ou superior a F2, os valores que os governos deveriam dispor são de cifras estratosféricas. No caso do Brasil se todos os infectados fossem diagnosticados, dois milhões necessitariam de tratamento, para isso seriam necessários R$. 38.000.000.000,00 (trinta e oito bilhões de reais) ou em dólares, U$. 21,000,000,000.-

É então, fazer o que? Ficar mudo e paralisado ante o tamanho do problema não é uma atitude inteligente. Tentar esconder o problema não realizando amplas campanhas de alerta e de detecção dos infectados e uma atitude criminosa por parte dos governos. Existem soluções, as quais serão mais fáceis com o correr do tempo. No final de 2009 escrevi sobre vinte e oito novos medicamentos que muito provavelmente estarão chegando ao mercado e que pela competitividade irão ocasionar uma redução dos preços e até uma diminuição do tempo de tratamento. Posso arriscar, sem medo de errar, que daqui a quatro anos o tratamento da hepatite C terá um custo entre 50 e 70% menor que o atual.

Em resumo, é possível planejar uma ação estratégica, por exemplo, de 10 anos de prazo para enfrentar a hepatite C, sem medo de falir com os recursos do estado. Dividindo a detecção e tratamentos nesses 10 anos e considerando o barateamento dos tratamentos, os recursos que deverão ser destinados são inferiores ao que atualmente e dispensado na epidemia de HIV/AIDS, ou seja, e totalmente possível, faltando somente vontade política e gestores comprometidos com a saúde pública, gestores que não pensem somente em esconder o problema e deixar que a bomba estoure nos próximos governantes do país.

Mas os infectados com hepatite C estarão enfrentando nos próximos anos um dos mais graves problemas que um ser humano possa sofrer. Estou me referindo a discriminação, a exclusão social por culpa da doença. Observo com grande preocupação que a cada dia aumenta a percepção mundial de que a hepatite C e uma doença de usuários de drogas ou de infectados com HIV/AIDS. O estigma nos médios de comunicação está crescendo rapidamente, levando a formação de opiniões desastrosas na opinião pública.

Isso é triste porque por causa da discriminação os pacientes não se atrevem a assumir sua condição de infectados, alguns até que suspeitam que possam estar infectados com hepatite C, mas não se atrevem a realizar o teste ou, pior ainda, se diagnosticados preferem ocultar a sua condição para não perder emprego ou família e não procuram tratamento.

Vários são os fatores que estão levando a um aumento no estigma da hepatite C. O principal deles e a pouca visibilidade que pessoas infectadas com hepatite C tentam dar a doença, preferindo não se expor, o que repercute inclusive na forma de trabalhar dos grupos de apoio formados por pacientes. Já grupos de usuários de drogas ou de co-infectados com HIV/AIDS/Hepatite C não têm medo de falar. Esses grupos procuram a imprensa, dão entrevistas, pressionam os sistemas de saúde, os governantes e os congressistas, conseguindo dessa forma não somente a atenção, como também os recursos necessários ao tratamento. A maioria dos protocolos e consensos de tratamento não possui limites para os co-infectados HIV/AIDS/Hepatite C, já para aqueles somente estão infectados com hepatite C as restrições para conseguir o tratamento são muito grandes.

Dou meus parabéns aos usuários de drogas e aos co-infectados com HIV/AIDS/Hepatite C, pois estão conseguindo a atenção e os recursos necessários para seu atendimento. Se isso resulta em maior discriminação e estigma para quem somente está infectado com hepatite C não chega a ser um problema, pois cada um deve lutar pela sua causa, pelo grupo ao qual pertence. Cabe aos infectados somente com a hepatite C sair do casulo e enfrentar a sociedade, mostrando que a maioria não se enquadra no estigma que está sendo formado na sociedade.

Para aqueles que sentem medo de serem discriminados, posso assegurar que a discriminação existe mais dentro do próprio indivíduo que na sociedade em geral. Faz mais de 12 anos que luto pelas hepatites, considero que sou uma figura publicamente conhecida e, posso assegurar que não existem maiores problemas quando alguém dá a cara. Mas são poucos os infectados com hepatite C que chegam a colocar sua condição publicamente. Não vejo pessoas conhecidas que sei que estão com hepatite C, entre eles atores, desportistas ou políticos que queiram vir a público para falar do problema, já entre ex-usuários de drogas ou co-infectados HIV/AIDS/Hepatite C e uma pratica comum. Praticamente todos os dias vemos pessoas famosas falar que por culpa de seu passado com drogas hoje estão tratando de hepatite C.

Bom, daqui a 12 meses vou reler este texto com a esperança de poder falar em progressos, em mudanças positivas para todos os infectados com as hepatites B e C. Pelo menos assim espero, pois sou um otimista nato.

Carlos Varaldo
Grupo Otimismo